quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

A lenda da puta Evelyn Roe




Veio a Primavera era azul o mar
Mas ela não sossegou
Com o último barco ao navio chegou
A jovem Evelyn Roe 

Vestido bem simples cobria seu corpo
Belo celestial
Em vez de jóias o ouro só
Do seu cabelo tão sensual

“Meu capitão, ai leva-me,à Terra Santa
Anseio por meu Jesus!”
“Pois vem, mulher, porque bela és tu
E loucos somos nós!”

“Cristo vos pague que pobre eu sou
Minh’alma é de Jesus, é do Senhor”
“Pois dá-nos teu tenro corpo, mulher
Porque o Deus que tu amas não nos pode pagar
Pois já morreu na cruz”

Eles navegaram com vento e sol
E amaram Evelyn Roe
Que comeu seu pão e bebeu seu vinho
Mas com lágrimas o amargou…

Dançavam de dia
Dançavam de noite
E o leme ficou ao léu
Evelyn Roe era branda e doce
Eles duros qual pedra e fel

Ela viu primavera e verão passar
De sapatos rotos de noite andou
De verga em verga, perdido o olhar
Uma praia tranqüila quis vislumbrar
A pobre Evelyn Roe

Dançava de dia
Dançava de noite
Qual doente enlanguesceu
“Meu capitão, quando afinal
Terra Santa verei eu?”

Nas coxas o capitão sorriu
E beijando-as lhe falou:
“Quem disso tem culpa não sou eu
E sim a Evelyn Roe”

Dançava de dia
Dançava de noite
Qual cadáver ela ficou
E do capitão ao grumete, enfim
Todo mundo dela se fartou

Trapos cobriam seu corpo já
gasto ferido inchado
E grenhas imundas a lhe cair
No rosto desfigurado

“Jamais te verei, Cristo meu Jesus
Com meu corpo pecador
Tu não podes com puta Te encontrar
Com esta pobre mulher, Senhor!”

Da popa à proa ela vagueou
Coração e pés a sangrar
Numa noite quando ninguém a viu
Ela se atirou no mar.

E a onda glauca a acolheu
E o seu corpo alvo tornou
E agora bem antes do capitão
Terra Santa ela alcançou

Quando enfim chegou ao Paraíso
São Pedro o portão trancou
Deus disse: “Não vou acolher no céu a puta Evelyn Roe”

Também quando ao Inferno ela chegou
A porta na cara levou
E o diabo gritou: “Não quero aqui a beata Evelyn Roe”

Então ela anda de déu em déu
Ao vento e ao luar vagueando
Em verdade vos digo eu a vi passar
Tarde da noite… no campo a errar…
Às tontas, sem paz, sem jamais parar
Alma penada
Sem morada
A pobre Evelyn Roe

(Bertolt Brecht e Hans Eisler)